Crítica | Além do Homem

 

Filme com Sergio Guizé é uma viagem delirante sobre autoconhecimento e nacionalismo

 

Além do Homem explora a essência do Brasil e de seu povo através de um personagem brasileiro que é estrangeiro em seu próprio país. Acima de tudo, é um filme sobre aceitação e autoconhecimento.

A obra de Willy Biondani conta a história de Alberto Luppo (Sergio Guizé), um escritor brasileiro que mora em Paris e, julgando seu país como “sem conserto”, não tem a menor vontade de voltar ao Brasil. Apesar disso, Alberto se vê na obrigação de retornar depois de descobrir que o antropólogo francês Marcel Levafre encontrou “a verdadeira felicidade” em uma cidade do interior do Brasil, mas acabou desaparecendo depois disso. Assim, Alberto se aventura em busca da cidade e do antropólogo.

A maneira como Willy Biondani constrói o caráter de Alberto é excepcional para a narrativa: o personagem está passando por uma crise de identidade. O diretor deixa isso claro através de elementos como os inúmeros espelhos no filme e o reflexo de Alberto na água, algo que é mostrado constantemente. O personagem implicitamente se pergunta quem ele é e o que ele está fazendo de sua vida. A partir disso, constrói-se um contraste muito grande entre França e Brasil: a França é sempre representada em tons frios – tanto pela fotografia quanto pelo figurino. Enquanto o Brasil vem com tons alaranjados, quentes.

Aliás, escolha do figurino foi muito bem pensada: enquanto os habitantes da cidadezinha de Minas Gerais usam roupas leves, coloridas e vibrantes, Alberto é o único que usa traje esportivo fino inteiramente claro (em tons de branco e azul claro), contrastando com todas as outras pessoas ao seu redor. Ou seja, até mesmo por meio do figurino o filme nos mostra o tempo todo como o personagem não sente que pertence ao seu país de origem e como ele se tornou frio durante todos esses anos em Paris. Por outro lado, conforme o filme vai passando, Alberto vai tirando as peças de roupa – representando sua própria aceitação como brasileiro e o carinho que ele vai, mesmo sem se dar conta, criando pelo seu país. Até que vemos ele abrindo mão de sua roupa – de sua negação – e vestindo então uma roupa feminina colorida. Essa progressão nos leva, por fim, em uma das cenas mais bonitas do filme: a que ele está deitado em uma praia deserta, já totalmente sem roupa, remetendo às origens indígenas do Brasil. Esta cena é um dos grandes charmes da fotografia do filme – que é um tremendo espetáculo do começo ao fim.

 

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Tanto a direção quanto a fotografia retratam de modo muito conciso o delírio que é toda a jornada de Alberto. Além do Homem escolhe abraçar todos os estereótipos brasileiros e mostra, portanto, uma caricatura do Brasil que foi sempre representada em lendas, contos e obras antigas – especialmente as naturalistas: aqui o brasileiro é retratado de forma sensual, com aquele sotaque baiano arrastado, sempre bebendo e jamais trabalhando por conta da preguiça e do jeito relaxado de ser. As mulheres são mostradas sempre de forma muito sensual, como se o papel delas aqui fosse inteiramente sexual – lembrando, inclusive, a Rita Baiana do livro O Cortiço. Além disso, o filme também aborda o lado selvagem da origem do brasileiro: Alberto está, constantemente, com medo de ser devorado por canibais.

A comédia é construída em cima desses estereótipos e os movimentos de câmera, a fotografia e a trilha sonora ajudam a criar uma atmosfera puramente de mistério, alucinação e paixão, trazendo, inclusive, uma sensação sufocante de delírio para o próprio espectador. O trabalho do ator Sergio Guizé também foi crucial: suas expressões estampam o amor, o desespero e a loucura de modo a prender a atenção do espectador e transportá-lo para o filme.

Assim, com um roteiro muito bem construído e fechado – que conta, inclusive, com diálogos muito bem elaborados e bem-humorados sobre questões existencialistas – Além do Homem é um filme que faz um ótimo uso das ferramentas audiovisuais para traçar uma jornada de autoconhecimento e aceitação. Ao lado disso, o filme nos mostra como nosso país é pouco explorado por nós – afinal de contas, o Brasil não é só a parte desenvolvida de grandes cidades. Talvez não seja a caricatura retratada na tela, mas é mais diversificado e caloroso do que o amontoado de prédios que nós conhecemos e que são constantemente mostrados em outras obras.

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