Entre tantas obras marcantes da animação japonesa, poucas desafiam tanto a compreensão do espectador quanto Angel’s Egg (Tenshi no Tamago). Dirigido por Mamoru Oshii e lançado em 1985 pela Tokuma Shoten, o OVA de 71 minutos é um verdadeiro exercício de arte experimental. A Sato Company traz aos cinemas brasileiros esta obra remasterizada a partir de 20 de novembro de 2025.
Hoje cultuado como uma joia incompreendida, o filme foi um fracasso comercial em sua estreia, algo compreensível diante da complexidade e da ausência de narrativa convencional que o tornam, paradoxalmente, uma das obras mais “únicas” do cinema de animação. Mas como definir algo que parece escapar de qualquer definição? Angel’s Egg é, antes de tudo, uma experiência. Uma imersão no vazio, na simbologia e na contemplação visual, um filme que exige mais do espectador do que oferece respostas.
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A simplicidade da história e o peso do silêncio
Em sua essência, a trama é surpreendentemente simples: uma menina sem nome vaga por uma cidade deserta carregando um grande ovo sob o vestido. Durante o percurso, encontra um homem misterioso, possivelmente um soldado, e entre eles se estabelece uma silenciosa relação de confiança e ruína.
Pouco é dito, e menos ainda é explicado. O filme é marcado por longos trechos sem diálogo, trilha sonora mínima e uma ambientação sufocante, que reforça o clima de abandono e incerteza. A primeira fala surge apenas após vinte minutos, e cada som de passos ou gotas d’água parece carregar mais peso do que qualquer palavra.
O que pode ser um problema, para aqueles que estão acostumados com uma abordagem diferente para filmes de animes. Só ver os últimos casos, como Demon Slayer ou Chainsaw Man, que contemplação e tempo longos sem diálogos não aparecem nessas obras.
Essa escolha estética não é casual, o silêncio em Angel’s Egg é parte fundamental da narrativa. Ele amplia a sensação de solidão e reforça o contraste entre presença e ausência, luz e sombra, movimento e imobilidade, temas centrais para compreender a proposta do filme.

Uma fábula visual sem respostas fáceis
Apesar de sua aparente simplicidade, a história levanta uma infinidade de perguntas que jamais são respondidas:
Quem é a menina? Quem é homem? O que representa o ovo? Por que o homem o destrói? O que é aquele mundo? O que aconteceu para estar naquele estado?
Essas dúvidas não existem para serem solucionadas, mas para provocar reflexão.
Angel’s Egg é construído como uma pintura animada, onde cada cena parece um quadro repleto de significados possíveis. O uso do claro e escuro, da simetria e da composição cênica transforma o filme em uma galeria de símbolos. Um exemplo marcante é o primeiro encontro entre os protagonistas: a menina aparece à luz, o homem à sombra, e ambos se encontram no limiar entre os dois mundos, uma representação visual do desconhecido e da dualidade entre pureza e ameaça.
O espectador é convidado não a compreender, mas a sentir. Julgar Angel’s Egg pelos critérios tradicionais de narrativa é inútil; ele não busca contar uma história, e sim provocar uma experiência estética e emocional.

O simbolismo e as múltiplas interpretações
Parte da força de Angel’s Egg está em sua simbologia densa e ambígua. Elementos como a água, o ovo, a cruz e a arca evocam referências religiosas e mitológicas. O homem, por exemplo, carrega uma arma em forma de cruz, uma possível alusão à figura de Cristo, enquanto a menina protege um ovo, tradicional símbolo de criação e renovação.
Esses símbolos, porém, são apresentados sem explicação ou contexto, o que abre espaço para inúmeras leituras. Seria o ovo uma metáfora para a fé? Para a pureza? Ou para a própria esperança da humanidade?
Nada é dito de forma explícita, e qualquer tentativa de “decifrar” o filme resulta em hipóteses, jamais em conclusões.
Essa ausência de respostas é justamente o que fascina e frustra o público. Para alguns, o filme é uma obra filosófica profunda; para outros, apenas um exercício pretensioso de abstração. A verdade é que Angel’s Egg não se importa em ser compreendido. Ele se sustenta na dúvida, e é justamente aí que reside seu poder.

Arte, contraste e contemplação
Do ponto de vista técnico, o filme é impecável. A animação, mesmo para os padrões de 1985, é incrivelmente detalhada. Os cenários sombrios e a iluminação difusa criam uma atmosfera onírica e melancólica, enquanto o contraste entre luz e escuridão intensifica o sentimento de isolamento.
A trilha sonora, composta por Yoshihiro Kanno, surge em momentos pontuais, como um sussurro que acompanha o vazio. Quando o som desaparece, o silêncio fala mais alto, e essa alternância entre som e ausência cria um ritmo quase hipnótico.
É importante destacar, porém, que o filme é escuro demais em vários momentos, o que pode dificultar a percepção de detalhes importantes. Assistir em alta resolução é essencial para aproveitar plenamente a riqueza visual de cada quadro.

Angel’s Egg como experiência artística
Mais do que um filme, Angel’s Egg é uma instalação visual em movimento. Sua força está na contemplação, na maneira como combina simbolismo religioso e existencialismo em uma narrativa mínima, mas visualmente exuberante.
Ao analisá-lo, é inevitável compará-lo à arte medieval e às pinturas sacras, repletas de signos e metáforas que hoje nos escapam. Assim como essas obras, Angel’s Egg parece pedir um tipo de leitura que vai além do racional, uma leitura simbólica, intuitiva e emocional.
O resultado é um anime que divide opiniões: alguns o consideram uma obra-prima, outros o veem como algo hermético e indecifrável. Mas todos concordam em um ponto, trata-se de uma experiência única, impossível de comparar a qualquer outra dentro da animação japonesa.

O que torna Angel’s Egg inesquecível?
Angel’s Egg é o tipo de filme que desafia o espectador a abandonar as convenções. Ele não busca explicar, mas sugerir; não narra, mas evoca. É uma obra que só poderia existir dentro do meio audiovisual, explorando ao máximo a relação entre imagem, som e silêncio.
Para alguns, será um filme enigmático e frustrante. Para outros, uma experiência espiritual e artística inigualável. De qualquer forma, vale a pena assistir, nem que seja apenas para sentir o desconforto e a estranheza de algo verdadeiramente diferente.
O filme por si só não vai conseguir ajudar a entender algumas questões que ficam em aberto. Ao desenrolar da trama existem duas opções, ou aceitamos o caminho que o filme segue, ou nos frustramos pelas faltas de respostas que ele deixa.
Uma coisa é certa, não um filme que agradará a todos, pode até gerar uma certa curiosidade, mas, se não estiver de cabeça aberta para deixar de lado suas dúvidas e questões que não são abordados, apenas sairá com a sensação de que é apenas um filme bonito e vazio narrativamente. No fim das contas, Angel’s Egg não é bom nem ruim: ele simplesmente é. E isso já o torna inesquecível.
Enquanto o longa-metragem deste anime estiver em cartaz nos cinemas brasileiros, é possível consultar sessões em diversos sites, entre eles o Ingresso.com. Fique ciente de que o nosso site não possui vínculo com nenhuma das empresas ou marcas mencionadas nesta publicação. No entanto, como parte do nosso compromisso em informar nossos leitores, indicamos locais que facilitem suas vidas na hora de conferir uma produção da qual são fãs. Ressaltamos ainda que o MeUGamer pode receber uma pequena comissão em publicações que contenham links de afiliados — o que contribui para manter o site independente.
