Crítica | Nos Vemos no Paraíso

 

Filme de Albert Dupontel é um espetáculo de produção e significados

 

Nos Vemos no Paraíso é um filme grandioso que usa e abusa de elementos como o roteiro, a trilha sonora e a fotografia para criar uma atmosfera encantadora – e até mágica – em um ambiente de guerra.

O filme – muito bem estrelado e dirigido por Albert Dupontel – nos dá a pista de sua grandiosidade logo no começo, em uma cena demorada que se passa durante a Primeira Guerra Mundial. Enquanto o personagem principal, o soldado Albert Maillard, é apresentado ao espectador, a obra nos prende com seus movimentos de câmera espetaculares e sua fotografia que encanta logo nos primeiros minutos.

Na trama, Albert torna-se amigo de Edouard (Nahuel Pérez Biscayart) quando um salva a vida do outro em um bombardeio. Desenhista talentoso, Edouard tem toda sua arcada dentária desfigurada durante o combate e, por conta disso, Albert se sente na obrigação de cuidar de seu amigo e conviver com ele mesmo após a guerra. Em uma tentativa de recuperar sua autoestima, Edouard usa suas habilidades artísticas para construir diversas máscaras que servem para esconder a deformação em seu rosto – um toque de roteiro genial pois traz ao filme um aspecto artístico que o espectador acaba descobrindo ser muito significativo.

A grande excepcionalidade de Nos Vemos no Paraíso é a habilidade que o filme tem em contar uma história trágica de um modo encantador – assim, o espectador se vê diante de um drama carregado de negatividade, porém aprende a enxergá-lo com olhos de uma criança, uma vez que o filme transforma a história em um verdadeiro conto de fada.

Para isso, o filme se utiliza de alguns detalhes muito significativos. Em primeiro lugar, Nos Vemos no Paraíso trata de uma história contada pelo próprio Albert para um policial – assim, em determinados momentos o espectador escuta o personagem narrar o que está sendo passado; técnica simples, porém já serve para dar um toque mais fantasioso ao filme. Outro detalhe utilizado foi a inclusão de um “vilão malvado” no roteiro – um personagem com aquela personalidade típica de vilão de contos infantis: ganancioso, sem escrúpulos, corrupto e que só pensa nele mesmo. Henri (Laurent Lafitte) é o tenente do governo e ele lucra com as mortes dos soldados atingidos nas batalhas. Algumas técnicas também são utilizadas para reforçar seu papel de vilão, como a introdução do personagem saindo das sombras ou até mesmo alguns movimentos de câmera que fazem com que ele pareça grandioso – algo que, neste contexto, grita “perigo”. O roteiro não necessariamente pedia por um vilão, uma vez que o filme conseguiria se sustentar perfeitamente sem essa figura, mas sua inclusão foi um toque inteligente tanto para trazer mais consistência ao roteiro quanto para deixar a história mais próxima a um conto mais fantasioso.

 

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Além disso, temos também a inclusão de Louise (Héloïse Balster), uma criança que ajuda a tecer o rumo da obra: sua primeira cena no filme é bem significativa pois mostra a criança passando a mão no rosto danificado de Edouard e mostra o abraço entre os dois. A partir disso, é como se Louise tivesse tocado a vida de um adulto já desgastado e sem esperanças, ao ponto que Edouard começa a compartilhar toda a pureza e inocência da menina. A presença constante de Louise (e até mesmo o fato de que ela é a única que consegue entender tudo o que ele fala) representa a vontade do personagem de permanecer infantil, sem levar a vida a sério – ao passo que Albert, um adulto, não entende isso.

O encanto de Nos Vemos no Paraíso se dá também (e principalmente) pela trilha sonora. As músicas estão o tempo todo atrelando um pouco de mágica ao enredo – os instrumentais transportam o espectador para uma jornada de fantasia e trazem inocência (e até mesmo humor) ao filme. Belíssima e impecável, a trilha sonora é um dos grandes fatores que prendem a atenção do espectador ao filme.

Em meio a tantos fatores técnicos encantadores, Nos Vemos no Paraíso não perde a oportunidade de trazer interpretações e simbologias à história. As máscaras feitas por Edouard dão a deixa para uma das cenas mais bonitas e tristes (artisticamente falando) do cinema francês dos últimos tempos; as críticas bem-humoradas trazem uma reflexão sobre as guerras e sobre aqueles que só pensam em dinheiro; a história de Edouard em relação a sua família fala tanto sobre a pressão de ser algo que você não quer ser, quanto sobre o relacionamento mal resolvido entre pai e filho.

Assim, Nos Vemos no Paraíso é o pacote completo: o filme é carregado de simbologias maravilhosas; o roteiro (baseado no romance de Pierre Lemaître) é uma adaptação cuidadosamente bem pensada e impecável; a direção, a montagem e a fotografia juntamente com o figurino são muito bem articuladas – de modo a formarem uma belíssima harmonia com o intuito de trazer magia ao modo como a história é contada. O filme é visualmente deslumbrante e um espetáculo do começo ao fim – a superprodução passa a ter mais peso que a história, mas não a diminui. De todo modo, Nos Vemos no Paraíso cumpre brilhantemente seu papel de entreter, encantar e emocionar o espectador.

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