Em 1981, eu ainda não era nascido, e aqueles que viram o rubro-negro, o meu Mengão, ser campeão mundial, certamente sentiram uma alegria imensa que atravessou os corações de quem vivenciou aquele momento. Enquanto isso, em 2019, tive a oportunidade de saber o que era uma final ao ver o Flamengo novamente enfrentando o Liverpool na missão. Apesar dos esforços dos jogadores, acabaram perdendo por 1 a 0 na prorrogação, com gol de Firmino. Mesmo com o gosto amargo, havia um orgulho em saber que aquela equipe conseguiu jogar de igual para igual com uma das gerações mais vitoriosas do Liverpool de todos os tempos.
Entretanto, o destino quis que os flamenguistas tivessem uma alegria, ainda que momentânea, ao enfrentar outro clube inglês no mundial. Dessa vez, não foi em uma final intercontinental, mas na primeira Copa do Mundo de Clubes realizada nos Estados Unidos, como termômetro para a Copa do Mundo de Seleções. Os dois clubes caíram no mesmo grupo, e a segunda rodada era a mais aguardada, pois tratava-se do confronto direto entre essas duas escolas consagradas do futebol mundial. Porém, uma coisa que os clubes sul-americanos sempre tiveram contra si era disputar esses jogos já no fim da temporada, com muitos atletas acumulando mais de 70 jogos. Contudo, o destino quis algo diferente dessa vez. No verão americano, com temperaturas similares às do Brasil e do Rio de Janeiro, que em momentos alcançavam a sensação de 50 graus – bem mais que os 40 graus tão falados nos anos 90 –, o clima foi um grande aliado.
As mais de 54 mil pessoas presentes no Lincoln Financial Field, na Filadélfia, que tem capacidade para 67 mil, criaram um calor ainda maior na partida, com camisas rubro-negras adicionando pressão, sendo o décimo segundo jogador. Mesmo com um erro que, em outros tempos, poderia ter deixado os jogadores do Flamengo descontrolados – um corte errado do lateral-direito Wesley, que deixou a bola sobrar para Pedro Neto, do Chelsea, abrir o placar –, a força e a determinação prevaleceram. E um nome trouxe tranquilidade aos jogadores: Filipe Luís. Ele, iluminado, optou por escalar um time que surpreendeu, barrando nomes importantes como Pedro e Léo Ortiz, deixando Alex Sandro no banco e puxando Danilo para compor a zaga ao lado de Léo Pereira, enquanto iniciava o ataque com Plata. Em outros tempos, isso teria deixado os torcedores irados, mas parece que um voto de confiança foi concedido. Mesmo com o placar adverso, a equipe carioca continuou atacando.
O “Rei dos Clássicos”
A estrela De Arrascaeta, um dos grandes nomes da primeira rodada, não estava brilhando naquele momento e foi sacado no segundo tempo – uma estranheza, já que os craques costumam ficar até o fim. Isso é o que todos pensariam, mas não para Filipe Luís, acostumado a enfrentar clubes na Europa, onde passou a maior parte de sua carreira antes de encerrá-la como jogador no Flamengo. Ao apostar em Bruno Henrique, um dos heróis da equipe que conquistou quase tudo em 2019 ao lado de Gabriel Barbosa, ele trouxe ao campo um jogador precisando de confiança. O atacante de 34 anos, vindo de uma temporada irregular, mudou o jogo e fez os torcedores mais céticos acreditarem que era possível. Em pouco tempo em campo, ele respondeu à oportunidade e decretou, de uma vez por todas, por que é conhecido como o “Rei dos Clássicos“.
Em uma jogada que mostrou posse, paciência e talento, Gerson viu Plata com liberdade na área e levantou a bola. O equatoriano tocou de cabeça, cruzando toda a pequena área, e, no segundo pau, Bruno Henrique, sozinho, apenas tocou na saída do goleiro Robert Sánchez. Menos de três minutos depois, o Flamengo conseguiu um escanteio. Dessa vez, Bruno Henrique virou garçom e serviu Danilo com um passe de cabeça refinado, que o zagueiro apenas empurrou para o fundo das redes do Chelsea. O Rei dos Clássicos trouxe alegria para os flamenguistas que estavam no estádio e para aqueles que assistiam em tempo real, em transmissões ao redor do mundo.
O grand finale ainda estava por vir. Considerado uma nova joia da base do Flamengo, Wallace Yan entrou para propor o ataque, já que o clube inglês estava com um jogador a menos após uma entrada brutal de Nicolas Jackson, que acabou de entrar, indo direto na canela de Ayrton Lucas, que ficou sentindo a jogada dura. Não havia o que fazer: era ataque contra defesa. A famosa mão inglesa — no Flamengo em 1981, virou “colocou os ingleses do Liverpool na roda” —, e dessa vez a roda aconteceu novamente. O terceiro gol foi uma aula de habilidade, tática e jovem talento. Com quase quarenta segundos de passes sem a equipe inglesa tocar na bola, começando da zaga, Plata e o jovem Wallace Yan tabelaram até entrar na área. O equatoriano chutou, mas, como se fosse um dom, a bola grudou no pé de Yan, que, com a sobra limpinha, acertou o gol de Sánchez, ampliando para 3 a 1 para o Flamengo. Um sonho realizado, 44 anos depois: vencer e convencer contra uma equipe inglesa.
A data de 20 de junho de 2025 ficará na memória de todos que têm paixão pelo clube cujo mascote é o Urubu. A consagração de uma vitória convincente também marcou o aniversário do atacante Pedro, que completou 28 anos no mesmo dia e, além de fazer parte dessa conquista histórica, ainda ganhou o presente de entrar em campo já no fim do jogo.
O verdadeiro iluminado
Aquele que poderia ser visto como vilão por modificar o time em relação à primeira partida mostrou que possui estrela ao estudar seus adversários. Se há um nome nesse jogo, não é Bruno Henrique, Plata ou Wallace Yan, mas Filipe Luís. Em pouco tempo como treinador na elite do futebol, ele já demonstra o vigor de um veterano vitorioso. Ainda é cedo para dizer se o Flamengo vai brilhar ou chegar à final, mas uma coisa os torcedores sabem: se deixarem Filipe Luís conduzir a equipe, o Clube de Regatas do Flamengo terá seu nome entre os maiores do futebol internacional.
Nota: Os melhores momentos desse jogo e seus gols pode ser assistido na plataforma do YouTube no canal da CazéTV, nessa página.