Nos últimos dias, o mercado de mídia ficou preso a um roteiro digno das tramas mirabolantes de Hollywood envolvendo estúdios consagrados. De um lado, a Netflix anunciou um acordo para comprar a Warner Bros. Discovery (WBD). Do outro, a Paramount/Skydance surgiu com uma oferta hostil maior e em dinheiro vivo. No meio disso, aparece uma hipótese que muita gente trataria como absurda, mas que começa a fazer sentido quando se olha para os números e para as regras do jogo.
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E se a Netflix não estiver tão preocupada em vencer?
A teoria é simples. A empresa pode ter entrado no acordo sabendo que existia um competidor pronto para cobrir a oferta. Se isso acontecer, a WBD rompe o contrato e paga à Netflix uma taxa de rescisão de US$ 2,8 bilhões. A gigante do streaming sai sem o risco regulatório, sem assumir dívidas enormes e ainda coloca quase três bilhões de dólares no caixa. Não compra a WBD, mas ganha fôlego para investir no que importa: produção, tecnologia e expansão global.
A seguir, explico por que isso não é impossível.
1. O acordo original já nasceu com uma taxa de rescisão gigante
O contrato entre Netflix e WBD tem duas proteções importantes:
- Se a Netflix desistir por falha regulatória, paga US$ 5,8 bilhões.
- Se a WBD desistir para aceitar uma oferta superior, paga US$ 2,8 bilhões à Netflix.

Apesar de não haver citação direta da multa no documento oficial que li, agências como Reuters e CNBC tratam esse valor como confirmado. E é essa segunda taxa que importa aqui. Outro documento esclarece melhor esses termos. Ela cria um paraquedas perfeito para a Netflix: se alguém aparecer com um cheque maior, sair do negócio vira lucro.
2. A Paramount/Skydance apareceu com um cheque maior e hostil
A proposta da Paramount/Skydance é direta: US$ 30 por ação, tudo em dinheiro, bem acima dos US$ 27,75 oferecidos pela Netflix. Em situações assim, o board da WBD até pode tentar resistir, mas a pressão dos acionistas costuma falar mais alto. Quando o valor sobe e o pagamento é imediato, a migração fica mais provável.
Se o board aceitar — ou for pressionado a aceitar — o acordo atual cai. E a multa de US$ 2,8 bilhões vai direto para a Netflix. A família Ellison sabe fazer propostas agressivas; foi assim na disputa pela Oracle e não deve ser diferente agora. Há ainda o detalhe curioso: David Ellison disse que David Zaslav estava relutante em fechar com a Paramount por conta de uma suposta pressão, sem muitos detalhes, vinda do próprio CEO da Netflix, Ted Sarandos. Lembrando que Sarandos se diz tranquilo quanto esta oferta da concorrente.
3. A lógica estratégica: por que a empresa teria algo a ganhar mesmo perdendo
A Netflix não é novata em fusões e aquisições. Ela sabia que a Paramount/Skydance rondava a WBD havia meses. Isso significa que a Netflix provavelmente tinha consciência de que poderia ser superada.
Nesse cenário, a estratégia poderia ter sido:
- Assinar um acordo competitivo, mas fácil de superar.
- Criar uma âncora de valor: quem quiser passar à frente precisa vir com muito mais.
- Forçar o rival a fazer o movimento esperado.
- Receber a taxa de rescisão e sair limpa.
Eles perdem a compra, mas ganha dinheiro e evita os riscos de integração e regulação — sempre os pontos mais perigosos de um negócio desse tamanho.
4. Por que isso não é fantasia
Em fusões e aquisições, esse tipo de manobra existe. Não é o mais comum, mas aparece quando:
- a empresa tem capital para fazer uma oferta séria;
- sabe que outro player depende mais da aquisição;
- quer elevar o preço ou proteger sua posição;
- usa a taxa de rescisão como colchão financeiro.
É raro ver isso nessa escala, mas o mecanismo é conhecido.
5. O resultado possível: a Netflix ganha mesmo perdendo
Se a Paramount vencer:
- a WBD paga US$ 2,8 bilhões à Netflix;
- Logo não paga nada;
- Isto evita o risco regulatório que poderia custar US$ 5,8 bilhões;
- o caixa aumenta com dinheiro limpo, sem dívida atrelada.
Isso não transforma a teoria em fato, mas mostra que ela é plausível dentro da lógica de M&A.
Enfim… o que acho disso tudo
À primeira vista, parece ousado imaginar que a TUDUM fez um movimento desse tamanho já esperando perder. Mas quando olhamos para o valor das multas, para o histórico das negociações e para o comportamento típico em ofertas hostis, a teoria ganha corpo.
Se a Paramount levar a WBD, a Netflix não sai derrotada. Sai reforçada, e sem o risco de absorver uma empresa enorme, cara e difícil de integrar. Às vezes, vencer é justamente não fechar o negócio.
Para uma empresa que precisa renovar suas grandes franquias — com Stranger Things chegando ao fim, Wandinha abaixo das expectativas na segunda temporada e Round 6 caminhando para algo repetitivo — esse dinheiro extra seria combustível suficiente para contar umas dez histórias grandes por um bom tempo.

